O papel dos livros, da leitura e do conhecimento da
literatura na construção do indivíduo em formação, em sala de aula e nas
intervenções pedagógicas
por Luciana Daniele Costa
Na série Harry Potter, de J.K. Rowling, o
estereótipo da bruxa má e feia, que conhecemos em nossa infância, é substituído
por uma imagem glamurosa de ambos os gêneros de feiticeiros. Nos livros, as
personagens infantis aprendem a afastar seus medos, enfrentando situações
ridículas ou perigosas. As adaptações cinematográficas tiveram uma grande
repercussão no universo infantil. Harry Potter é uma criança com poderes
especiais desejados por aqueles que se identificam com o filme e que, por isso,
acabam dominando seus medos, transformando-os em poder interior. Por meio da
ficção, a criança, portanto, aprende a enfrentar sua realidade e viver além de
sua vida imediata, vivenciando outras experiências. Por isso, seduz e encanta,
mesmo sem tarefa, sem nota, sem prova, a literatura educa e, portanto é
importante pedagogicamente.
Do imenso leque de obras literárias para o trabalho
em sala de aula, uma delas se destaca servindo de sustentáculo de nossa
educação formal. É o livro Meu pé de laranja lima, que será um grande
instrumento para transformação e remodelação no processo de intervenção
pedagógica para o aluno com dificuldades. Meu pé de laranja lima, de José
Mauro Vasconcelos, serve de modelo para a compreensão de que a literatura
dentro da intervenção pedagógica pode caminhar junta, tornando-se um estímulo
para nossos alunos do ensino fundamental, que chegam a essa fase escolar sem um
parâmetro de leitura, que segue o sentido contrário a um dos pilares da
educação mineira, que se trata de "Toda criança lendo e escrevendo até os
8 anos".
Um aluno em idade de 11 anos, que não percebe a
leitura, não adquiriu o conhecimento por meio dos sentidos da leitura,
necessita de um ajustamento, uma intervenção pedagógica, pois houve problemas
nos anos iniciais de sua formação. De acordo com Bernardo Toro, vice-presidente
de relações públicas da Fundação Social, entidade civil cuja missão é combater
a pobreza na Colômbia, se a criança não aprende, não culpe a criança, culpe o
método que o professor usou para ensinar. Nesse sentido, entra o trabalho do psicopedagogo,
do supervisor e do professor da instituição, juntamente com os pais.
Na realidade da sala de aula, para estudo e
análise, Meu pé de laranja lima é um livro extremamente marcante,
comovente e triste. Marcante pela ironia da sua história, comovente pela
simplicidade transmitida e com que é escrito e triste pela dor e pelas perdas
retratadas. Um livro simples que transmite uma mensagem e sentimentos sutis e
profundos. Com uma mescla de turbulentas emoções e pequenas conquistas e
vitórias, vividas pelas personagens, que vêm ao rubro de forma simples e
eloquente em cada palavra. Neste livro o mais importante não é os grandes
feitos ou qualquer outro ato considerado por nós, na nossa cegueira e
egocentrismo, digno e merecedor de importância, mas sim as pequenas coisas que
no fundo acabam por ser as mais bonitas e importantes; as pequenas vitórias; a
dor e a conquista, do mundo real e da vida real, que acabam por ter uma
fantasia mais doce e bonita e um misticismo mais profundo do que as grandes lendas
ou histórias, apenas pelo que são.
É possível ampliar no aluno sua capacidade da
oralidade, viver experiências alheias narradas e vivenciadas no imaginário
pessoal
Meu pé de laranja lima, como tantos outros clássicos
da nossa literatura infantil, contribui para o encontro da criança com a
literatura, para o desenvolvimento de sua competência leitora condição
necessária, uma vez que esta deverá ser resgatada sem ter a pretensão de fazer
análise literária, mas sim que realçar alguns elementos importantes para
compreensão do aluno, como enredo tempo, espaço, personagens, que comentem
sobre as peculiaridades das obras, contextualizando-as em relação ao estilo de
época, ao estilo individual, e também a certos aspectos que são específicos da
linguagem literária, como o uso de imagens, as marcas da oralidade, o ritmo da
narrativa etc.
Há obras que de alguma forma são capazes de
transformar o leitor, e a consagrada obra de literatura fantástica O
Pequeno Príncipe é uma delas, quase uma ficção científica, que transmite
ensinamentos, amizade e companheirismo. Uma das mais belas obras, escrita por
Antoine Jean Baptiste Roger de Saint-Exupery, capitão e piloto de aviões. Fazia
reconhecimentos aéreos e morreu em sua última missão, em 1944, aos 44 anos de
idade. Foi um escritor de grande sensibilidade, com grande preocupação com o
sentido do humano e da existência. Em uma narrativa poética vai elaborando sua
visão de mundo e mergulha no próprio inconsciente. De repente retornamos aos
nossos sonhos infantis e reaparece a lembrança de questionamentos acomodados. É
uma obra que nos apresenta uma profunda mudança de valores. Pelas mãos desse
autor, o leitor apossa-se de muita sabedoria e do discernimento do que é
essencial, em sua narrativa metafórica.
Com ela, podemos trabalhar a construção e o
reconhecimento da identidade por meio de projeção e identificação, aspectos e
processos psicológicos presentes na experiência de contato da criança com a
obra literária, considerando o imaginário enquanto campo vivencial, dotado de
significados e conceitos, tal qual a experiência concreta.
Também é possível ampliar no aluno sua capacidade da
oralidade, viver experiências alheias narradas e vivenciadas no imaginário
pessoal.
Como a literatura infantil prescinde do imaginário
das crianças, sua importância se dá a partir do momento em que elas tomam
contato oralmente com as histórias, e não somente quando se tornam leitores.
Desenvolver o interesse e o hábito da leitura é um
processo constante, que começa muito cedo, em casa, aperfeiçoa se na escola e
continua pela vida inteira.
Luciana Daniele Costa é graduada em Letras,
Especialista em Educação Inclusiva e Psicopedagogia. Atua como educadora no
sistema público de ensino de Minas Gerais.
http://literatura.uol.com.br/literatura/figuras-linguagem/37/artigo225090-2.asp
- acesso em 24/05/2014